Arte de: Thallman Rocha - Instagram: @thallman_rocha
Deitado na cama, temos o detetive Jorge, 35 anos,
fora de forma. Cortinas fechadas, uma luz se destaca,
na tela uma chamada, e o chefe diz:
- Venha pra rua setenta e seis, agora!
Ele se arruma, e pensa consigo - 9 anos depois e continua a mesma coisa.
Chegando à cena do crime, um corpo coberto por um lençol é uma característica quase cômica. Causa da morte, ataque cardíaco com 27 facadas, mas a autópsia não mente e tô pulando as etapas. Passo pelos ritos: entrevista de testemunhas e não consigo extrair nada além de que tô ouvindo meu coração demais.
Lembro que ainda não comi nada, mas me sinto cheio e sem fome e ele lá continua batendo forte e eu atento com isso e começando a pensar no medo que isso pode me causar. Me vem uma vontade forte de arrotar, mas não consigo. Sinto que a minha caixa torácica dói.
Sinto que os anos na polícia te obrigam a ter vícios para amenizar as dores, ainda não descobri bem qual era o meu, já que só de estar vivo me parece um vício. Passam duas semanas e consigo uma pista, num beco escuro eu escuto: “deixa isso pra lá, não tem muito o que se fazer sobre isso, se atenha ao ataque cardíaco, pega seu holerite e vive sua vida.”
Aquilo não me cheirou bem, mas o informante, por mais estranho que fosse, era confiável e nunca me deu uma dica errada.
Passam mais algumas semanas, eu resolvi um homicídio de um bacana qualquer e o meu nome saiu no jornal. Minha mãe me liga dizendo que tá orgulhosa de mim, mas admito que não gostei de ver meu nome e homicídio brutal juntos, talvez eu devesse largar tudo isso e ir escrever esses filmes de detetive que sempre saem e todo mundo gosta. Por causa disso eu quis ir pra academia, pois bebendo e fumando como eles eu iria dessa pra uma melhor mais rápido que uma formiga dentro de uma xícara, e pensando nisso sinto a caixa torácica reclamar, quase vomito tentando arrotar.
Depois de muita pressão, fui num encontro com uma mulher que trabalhava num escritório de advocacia, que depois de alguns vinhos queria me chupar no primeiro beco que viesse, porque ela disse que leu a matéria do jornal e diz que os heróis têm que ser bem tratados. Com isso eu pensei: “Não pode ser num beco, meu informante pode estar lá! E não sou fã dessas bagunças europeias.”
Invento uma desculpa qualquer, tipo, minha ex e eu estamos tentando voltar pelo nosso filho. Ainda bem que o jornal não me perguntou se tinha filhos ou era casado.
Sentado na mesa, o estômago formigando e eu pensando em tomar mais um café. Meu celular apita com uma mensagem da advogada que diz: “Se tudo der errado, tô aqui herói”. Vendo as pessoas passando e sendo autuadas eu penso, que crime eu cometeria, não pensei em nada.
Estava rodando com o meu parceiro numa busca por provas, meu telefone não toca, mas sinto a necessidade de pegar ele, Paulo, detetive mais experiente e meu parceiro pergunta o que era. Eu respondo, meu informante pediu um encontro, daqui uma hora.
Eu não confiava no Paulo, ele me questionava demais sobre o informante dizendo que queria conhecê-lo, nunca deixei. Ele me leva a uma rua próxima do encontro, vou andando até chegar no beco, dessa vez estranhamente lá tinha um espelho. E o Informante me diz que eu deveria ir no monte da cidade e que no ponto mais alto eu encontraria respostas sobre o homicídio que tirava meu sono, mas com um porém, eu não podia levar o Paulo.
Eu entro no carro, invento que ele só queria grana pra comprar alguma droga que ele usava, rodamos mais uma hora e pedi ele pra comprar um lanche pra gente, e quando ele entra na loja eu pego o carro e saio acelerado em direção ao monte. Desligo o rádio do carro, meu telefone toca, era o Paulo, eu atendo dizendo que não podia fazer isso com ele, era o meu caso e eu tava na jogada e que meu nome iria sair no jornal novamente sem aquelas cenas horríveis pintadas por aquele jornalista sem talento.
Subindo o monte, eu penso num amigo que escrevia, hoje ele é roteirista e tenho certeza que quando resolver esse caso, vai virar um filme. Chego no topo e de novo tem uma porra de espelho e eu penso: “Que cidade estranha”. Esse espelho estava posicionado numa rocha e estranhamente na altura que era confortável pra eu olhar, e fiz isso, até que sou assustado com uma figura contornando a rocha, saco minha arma e a voz diz: “Você vai matar seu informante?”
Guardo a arma, e ele me diz que sabia de tudo que se passava comigo, as dores na caixa torácica, o pensamento de cuidar da saúde e que eu deveria ter aceitado aquele boquete da advogada no beco, que eu só estava me sabotando e só precisava tirar do fundo da minha alma um grito de que queria viver.
Entretidos na conversa, eles nem perceberam a chegada do Paulo, que de longe com uma lanterna gritou: “O que caralhos você tá fazendo ai sozinho?”
A cena se desenrola, linha por linha...
Jorge, olha pra ele e diz:
- Meu informante tinha coisas importantes pra me dizer.
- Não tem nenhum informante, e que porra foi aquela de você abrir o porta-malas e levar um espelho no beco? Diz Paulo.
-Espelho? Como você sabe disso?
- Eu sei por que fui até o beco e vi você conversando sozinho em frente a um espelho. E o mesmo que tá nessa pedra na sua frente. Paulo joga uma luz da lanterna que reflete direto no rosto de Jorge.
Enquanto a luz se desenhava entre o espelho e chegando no rosto, Jorge busca em seu campo de visão e vê seu reflexo como quase uma entidade com olhos brilhantes e diz:
- Chega de se enganar Jorge.
Jorge saca sua arma, e começa a efetuar disparos vendo imagens que se moviam de uma mulher sem rosto.
Então Paulo chega correndo, toma a arma de Jorge e diz:
- Irmão, eu sei da sua dor, todos sabemos! Nunca falamos nada achando que isso ajudaria, mas não foi o certo. Te tratamos como um pedaço de vidro quebrado e todo mundo sabia que você estava em profunda dor.
Jorge diz:
- mas… mas o informante me disse pra eu parar de me enganar.
Paulo responde:
- Faça isso!
Jorge olha para a cadeia de montanhas e lembra que sentia uma vontade de gritar. Ele se vira, sente seu estômago como uma tempestade, escorre uma lágrima em seu rosto.
E ele arrota, arrota como as trombetas do apocalipse removendo as névoas das montanhas como um assoprador de folhas gigantes. Tudo ali se foi. Jorge desmaia.
Ele acorda num hospital, com Paulo e vários outros policiais em seu quarto, ele pega o jornal e entrega a Jorge, na primeira página a manchete “A trombeta do monte, o homem que por alguns segundos parou todo o mal do mundo através de um refluxo de proporções colossais”
Jorge diz:
- Eu falei que ia sair no jornal de novo.
Paulo diz:
- Estão dizendo que o conflito entre os países cessou, que eles decidiram resolver no diálogo. Todos na sala olhando em silêncio. Ele diz que, com um arroto, você aliviou toda a ansiedade do mundo por alguns segundos.
Jorge:
- Eu estou pronto pra seguir! Me passa o telefone da advogada de novo!
Edvaldo Ferreira
Criador do Palavras Brutas, escritor amador de ocasião, sem formação acadêmica, em busca de entender o que sinto através da palavras, ou se não, em busca da jornada constante de autoconhecimento e afeto próprio. Fascinado com cinema e música.
Futuro agitador cultural.
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