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Batatas!



Feriado. Encontro uma vaga fácil de estacionamento, perto do Sacolão.

Penso ser um dia de sorte!

E por que não o nome de Sacolinha? Só de ver aquele tamanho de placa, tenho a sensação

de ter que comprar todos os legumes e frutas que vejo pela frente.

Arrependimento! Não dá pra abaixar o volume da música?

“Deus já ganhou essa batalha! O inimigo bateu em retirada, ô, ô, ô!”

Fico em dúvida, se prefiro a playlist sertaneja.

Alguém se converte com uma voz gritante nos ouvidos? Penso.

Tento me concentrar na cor das maçãs. Lembro do caso do vizinho que interrompeu o culto da igreja, de cuecas na porta, avisando de que Deus é grande, mas não é surdo. Fico rindo sozinha.

A banana está muito madura. Vou para outra banca.

O rapaz de calça social e blusa preta de mangas longas pega o microfone:

“Você que está chegando! É show de ofertas! É dois por dez! É você pagando menos! Vem pra cá! Correeee que dá tempo!"

Ah, não! Prefiro a cantora gospel.

Os corredores ficam estreitos. Meu carrinho emperra com o carrinho da senhora de saia longa. Tento tirar e a roda vai parar debaixo da saia dela. Vem o moço e reclama que não tem espaço para passar.

“Essa gente tem uma pressa! Não vê que não tem jeito de passar?” A dona reclama, o moço reclama, eu tento encontrar a laranja serra d’água.

O calor aumenta.

A funcionária baixinha, com um uniforme azul, que sobra no braço, tenta limpar debaixo da banca de legumes, com um rodo grande. O sorriso destoa do resto. Escolho algumas cenouras, com o olhar fixo nos seus dentes brancos.

“É pra acabar! É aqui! É agora! Loucura, Loucura!”

Um ventilador baixo, insuficiente para tanta gente, atrapalha o cabelo da senhora que parece ter saído do salão de beleza.

"Bora comprar barato! Não perde! Leva cinco e paga cinco. Bora levar tuuuuudooooo!”

A criança chora no colo, o pai reclama. “Não sei para que trazer esse menino enjoado!”

"Se liga! A festa não pára! É promoção o tempo todo! Baixou! Baixou! Baixou!”

Uma atendente oferece água de coco, num copinho descartável de café. Está muito verde.

Desisto. Quero o côco da beira da praia.

“Oferta exclusiva! É o senhor! É a senhorita! É a criança! Pega e leva!

Descubro um freezer de picolé. Um real. Leio a embalagem. Não tem nome do fabricante.

Desisto, outra vez.

"É agora! Chama que vem! Olha a batata! Baixou de novo! Compra um quilo e leva dois!”

Meio zonza, me esqueço das laranjas e sigo o comando.

Vou para a banca de ofertas.

A batata tá murcha.

Que coisa.

Sinto pena:

Da batata.

Do locutor com a roupa social, no dia de calor.

Da funcionária que tem que usar um rodo, muito maior que ela.

Da dona que tenta escolher uma batata que presta.

De mim, que estou na fila, sem coragem de largar o carrinho, ali mesmo, e ir embora.

 

Denise Morais


Sou Denise Morais, belorizontina, e, como boa geminiana, amo uma prosa! Jornalista de formação, a escrita tem sido minha escolha de vida. Publiquei meu primeiro livro em 2018, O Avesso de Mim, e participei da coletânea Contos Para Pernambuco, em maio/2022. De lá pra cá, espalho minhas palavras nas redes sociais e nos blogs literários, enquanto o próximo livro está na incubadora. Atuo também como ghostwriter, leitora crítica e orientadora de comunicação para projetos profissionais. Instagram: https://instagram.com/moraisdenise9?igshid=YYYmMyMTA2M2YYmMyM


 

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3 Comments


Júlia Castro
Júlia Castro
May 17, 2023

😍😍😍

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Helena Merlo
Helena Merlo
May 17, 2023

Eu amo a capacidade e o poder do cotidiano de se tranformar em palavras nas crônicas, uma simplicidade que vira melodia e dança.

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Simone Noronha
Simone Noronha
May 17, 2023

Fiquei rindo aqui, é assim mesmo esses

sacolões, que de barato não tem

nada. E o barulho?! Ah nem! Só uma escritora sensivel e atenta pra fazer, de um dia de feira, um

conto desta maneira.!

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