Eu nunca gostei de andar de ônibus, mas como os zeros da minha conta bancária não eram acompanhados de dígitos antes da vírgula fui obrigado a sair. É não me levem a mal, nem e só preguiça e simplesmente não enxergar os motivos para fazer, mas como dei uma panorama da minha situação financeira obviamente não era possível evitar as conduções, então uso de outra característica minha: a observação.
Sempre tive a impressão de que coisas estranhas aconteciam comigo como experiências de quase morte por mera coincidência ou simplesmente festas que desconhecia há dez minutos se tornarem lembranças épicas nas rodas de conversa nos churrascos. Mas essa não e uma dessas histórias!
Então voltemos a condução, era um trajeto relativamente curto de 20 a 30 minutos, que eu passava ouvindo música e as vezes lendo um livro (sim ainda no século XXI que leem livros no busão), mas grande parte do meu tempo passo observando as coisas que acontecem já que não fui abençoado com a graça de dormir em ônibus. Nesse pequeno trajeto eu observava um cara que trabalhava no mesmo lugar que eu, nunca conversamos mas achava interessante observar ele, claro que sem constranger ou se pego fazendo.
Ele, um homem na casa dos 30 (eu suponho) e com uma vida comum dentro do microcosmo do ônibus, ele usava o celular o tempo todo como a maioria, e assim a vida se passava
Um dia reparei que ele estava mais feliz que o costume, com um sorriso de canto carismático e característico dessa era, o sorriso de quem está se interessando por outra pessoa e que as mensagens são mágicas, não nego, acontece comigo.
Algumas semanas se passam e eu ainda me revezando entre ler quando não tinha sono e quando estava cansado eu observava, ele vem ao longe e eu vi que ele estava acompanhado de um mulher e os dois estavam extremamente felizes, mãos dadas e várias trocas de carícias e beijos no ponto do ônibus e um belo abraço de despedida quando tinham de se separar.
E se passaram as semanas e se não me engano, já tinha começado outro livro, a época lia um sobre espiritismo e outro sobre qualquer assunto que achasse interessante, então vejo ele descendo o morro, passos lentos e sozinho, no ponto de cabeça baixa e isso durou um mês pelo menos se não me engano até que um dia por coincidência me sentei num banco mais alto e ele sentado a minha frente do lado atravessado de uma forma que dava pra ler suas mensagens no telefone, (alerta!: Não me orgulho disso, mas e uma prática comum de hoje dia) e vi que eles tinham brigado e aparentemente se separados e admito que me entristeceu ver o brilho roubado das pessoas. E isso me faz pensar em quanto a vida passa, e eu como observador disso estava estático somente sendo carregado pelo tempo e fugindo de minhas próprias dores e montando um quebra cabeça da vida de um desconhecido e tomando isso como rota de fuga e vendo que o amor é dor e como eu não estava pronto pra isso, pronto para sentir algo novamente. Eu chamo isso de anestesia da alma.
Essa paralisia me fazia enxergar a coragem dos dois em se envolverem e correrem o risco de viver, de ser feliz. A vida e risco!
Como de costume, cheguei cedo ao ponto de ônibus e vi uma cena interessante, os dois descendo o morro e sim, estavam juntos novamente, mas dessa vez não tinham as carícias e mal se tocavam, aquela chama não queimava como antes, depois de um tempo eram variadas as vezes que via eles juntos ou ele sozinho. E essa memória me veio dois anos após o mundo parar, e novamente eu dentro da condução para casa e me vem essa história quando estava com o olhar perdido pra um shopping que estava desativado. Um quebra cabeça faltando peças e que não terá solução, e vivo bem sobre isso. Desejo sorte a eles e sucesso na caminhada! De anônimo para anônimos.
Edvaldo Ferreira
Criador do Palavras Brutas, escritor amador de ocasião, sem formação acadêmica, em busca de entender o que sinto através da palavras, ou se não, em busca da jornada constante de autoconhecimento e afeto próprio. Fascinado com cinema e música.
Gostoso acompanhar sua narrativa e sua participação na história de amor do ponto de ônibus, essa é a vida de quem escrever, observar e se apaixonar pelo cotidiano, seja o nosso, ou o de quem passa ao lado. Deixar a vida com contornos poético, por mais que ela insista em ser real demais pra palavras darem conta.