12/02/2021
Me ponho impiedosamente inclinado contra o vazio deixado pela janela, cotovelos na soleira de granito e suspiro. Fito o as construções empilhadas sem reboco, o brilho fosco do asfalto a tingir o horizonte e as tímidas montanhas que insistem em me lembrar a benção que é ter nascido mineiro, e mesmo assim não encontro felicidade em tudo isso.
A vida vai se arrastando em um revezar de ideias toscas sobre sucesso, dinheiro e conquistas que afastariam as memórias de mim, e se por segundos me encontro embebido de um complexo de grandeza digno dos antigos deuses gregos, por outro me vejo só, encostado na janela, fitando o horizonte. A realidade sóbria me maltrata dia após dia. Meus projetos funcionam, sim. Mas por dentro, tudo continua a mesma bagunça que eu não consigo arrumar: O que de fato foi tirado de mim? O que tanto faz falta, que não importa o que eu faça, não consigo suprir?
O prazer supri com outros corpos, e o afeto também. Então por que isso me faz tanta falta? Por que ainda me maltrata?
Os que olham de longe facilmente percebem meus olhos cansados e sem brilho, emanando um cansaço esplendoroso e ao mesmo tempo assustador. Há muito a esperança alçou velas e partiu daqui. Se o algoz hoje navega tranquilo, eu por aqui continuo inclinado na janela.
Fito o horizonte.
Vejo navios.
Quero muito navegar novamente...
entretanto, não tenho coragem.
Caio S.A.
Cocriador do Palavras Brutas, é mineiro de Belo Horizonte, graduando em Direito e professor de inglês.
Sempre com um gosto pela arte, acredita que escrever, mesmo que não alivie totalmente aquilo que sente, pode ser uma ferramenta muito importante para conectar-se e trazer esperança àquelas que vivem as mesmas dores e acreditam estar sozinhos no mundo.
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