Eram muito jovens, quando se conheceram.
Ela, apaixonada, se derramou nos braços dele.
Desde o primeiro beijo, não conseguia pensar em outra coisa.
Ele também ficou perturbado de amor.
Moravam numa pequena cidade do interior.
Às vezes, ele roubava rosas, em algum jardim, a caminho do local de encontro, às escondidas.
Ele, muito calado, tinha um olhar triste de uma infância sofrida.
Assim como o pai, desde cedo, começou a beber e depois de uns goles já não era tão amável assim.
Os corpos quentes se aproximavam cada vez mais nas noites escuras de inverno. Os becos, ruas desertas, o muro detrás da igrejinha, as construções não terminadas no meio do nada e de repente, ela grávida.
Um casamento às pressas, o vestido de noiva costurado pela mãe e o pai cabisbaixo no dia da cerimônia. Pressentimento de pai que vê o futuro das coisas. O filho nasceu forte e bonito. Ela aprendeu a ser mãe. Primeiras mamadas, noites de insônia, uma cólica, vez ou outra, os primeiros passos, a creche perto de casa, e a solidão das noites em que o marido ia para o bar, depois do trabalho.
Reclamar não era costume dela, e ainda assim, quando pensava em fazer uma queixa, ele levantava. Primeiro a voz, depois, o braço.
Cerveja, vodka, licor, vinho, cachaça. A cristaleira da sala, presente de casamento da avó, cada vez mais cheia de garrafas.
Ela suportava os móveis da casa quebrados, os gritos de ofensa e o descuido. Comprou um pó compacto na lojinha do lado da casa. A vendedora perguntou se era dia de festa para se arrumar. Disse que sim, inventou desculpa. Precisava esconder as marcas deixadas no seu rosto.
Ela andava calada, o olhar baixo. Os parentes começaram a notar. Aconselhavam. O menino não passou de ano. Tinha dificuldades para dormir. Chegava atrasado na escola, esquecia material, não concentrava nos estudos.
Os vizinhos apareciam no dia seguinte às noites barulhentas. Ofereceram ajuda. Ela preferiu esperar. Rezava o terço, fazia novena. Acreditava que tudo ia se resolver. Esperou muito tempo. Sonhava com as rosas de outrora.
Até que um dia se cansou, pediu ajuda.
A vizinha foi com ela até a delegacia. Falaram sobre uma tal lei "Maria da Penha". Sentiu medo. Chorou. Teve pena do filho, teve pena dele.
Se encheu de coragem e seguiu adiante. O oficial de justiça na porta da casa virou notícia no bairro.
Forçado a ir embora, esbravejou, pediu perdão, mas já era tarde.
No início, ela ficou chorosa, sentia falta do corpo dele. O cheiro de álcool ainda exalava nos lençóis amarelados. Jogou fora as garrafas, mudou os móveis de lugar. Viu um filme de comédia com o filho e deu risadas.
Cavou um pequeno canteiro na frente de casa, encheu de terra nova e plantou uma roseira. O moço da flora garantiu que aquela espécie não tinha muitos espinhos. Comprou vestido novo, se perfumou e saiu para dançar.
Denise Morais
Sou Denise Morais, belorizontina, e, como boa geminiana, amo uma prosa! Jornalista de formação, a escrita tem sido minha escolha de vida. Publiquei meu primeiro livro em 2018, O Avesso de Mim, e participei da coletânea Contos Para Pernambuco, em maio/2022. De lá pra cá, espalho minhas palavras nas redes sociais e nos blogs literários, enquanto o próximo livro está na incubadora. Atuo também como ghostwriter, leitora crítica e orientadora de comunicação para projetos profissionais. Instagram: https://instagram.com/moraisdenise9?igshid=YmMyMTA2M2Y= Facebook: https://www.facebook.com/denise.morais.18
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Seu texto Denise, relata com clareza a situação de milhares de mulheres que atualmente estão nestas situações, ou em piores do que esta! Nestes casos, seu texto poderá ajudá-las a vislumbrar uma luz no final do túnel!
Muito bom mesmo!
Amei a escrita Denise. Cotidiana e corriqueira do Brasil, ainda que triste e injusta. Que mais "elas" se libertem cada vez mais!
Luã BK aqui, também sou escritor, poeta e admirei muito seu texto, meus parabéns colega !!! 👏👏👏 Deus te abençoe