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Tenho um dragão que mora em mim




Caio Fernando disse que tinha um dragão que morava com ele. Ou não, pois como ele disse, dragões não dividem seus hábitos.

Eu tenho um dragão que mora em mim. E ele não faz estrago pela casa, pelo quarto ou pela sala, nem acorda os vizinhos a noite com o barulho da sua calda. Se bem que, você diria que é mentira, já que semana passada ele quebrou a garrafa de café, o espelho e minha taça preferida. Por ele talvez queira dizer eu, já que ele está aqui dentro. Mas não sou eu, eu sei que não sou eu.

Já o meu dragão é bom em dividir. Quando ele está em casa, a porta fica aberta. Ele se da bem com pessoas, ao menos é o que ele pensa.

Ele me faz esquecer de mim. Antes eu achava ruim, toda vez que ele aparecia em meu estômago ou na minha cabeça, ele tomava a noite, e eu acordava com gosto de ressaca. Aquela ressaca moral, de quem sabe que não devia fazer mas fez.

Hoje eu aprendi que não é bem assim. O paladar amadureceu, o gosto é diferente, mas pode ser bom. Pode ser bom esquecer um pouco das dores de ser eu, e viver um lado diferente, novo, fundo e colorido, de ter um dragão dançando em mim. O gosto é amargo. Mas eu gosto de amargor, então eu abro aquela cerveja amarga, que me estala a língua e bebemos juntos.

Ele não fica muito tempo. Uma, duas semanas no máximo.

Bagunça e limpa tudo, sim ele é muito mais organizado do que eu, me coloca pra dormir. E some.

Me deixa jogada no chão da sala, no sofá ou no chuveiro. É difícil me mexer quando ele vai embora. E fica o cansaço que eu não tinha tido tempo de sentir. E vai embora a alegria, a euforia, a sensação de que eu poderia ser grande. E de que eu poderia fazer muito. Ele leva embora, como quem cospe fogo e deixa a cinza. E tudo murcha com o calor abafado que fica.


Eu espero ele voltar, quietinha eu espero ele voltar. Mesmo que ele bagunce tudo, mesmo que ele me deixe perdida, mesmo que ele me deixe cansada.

Eu espero ele voltar. Pq ele, é a parte de mim que não quer me ver morrer, mesmo sendo parte daquilo que quer me matar.

 

Jess Nunes


Mineira perdida procurando caminhos no céu cinza de São Paulo

29 anos de nada com nada

Assistente Social de formação e coração

Escrevo pra tirar do peito a pressão do mundo

e não gosto de pontos finais





 

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